Olá a todos.
O post hoje é mais em formato desabafo que propriamente com conteúdo técnico, mas tenho estado a verificar que infelizmente cada vez mais, existem operadores dito tradicionais a fazerem saidas da rede dos clientes de casa, por cg-nat. Não me escandaliza isto quando o operador é “barato” mas ver operadores ditos premium como a Vodafone a fazer isto só me dá vontade de rir.
Este movimento na direção da mediocridade, terá começado com a chegada de operadores como a DIGI que abalou o mercado de internet em Portugal.
Oferecendo pacotes de internet por fibra a preços inacreditavelmente baixos, a DIGI conseguiu captar a atenção de milhares de consumidores. No entanto, para oferecer preços tão competitivos, a DIGI utiliza uma técnica chamada CGNAT (Carrier-Grade Network Address Translation), embora digam que no futuro a opção de ipv4 dedicado está planeada.
Por exemplo na Vodafone Fibra:
Se por um lado esta abordagem permite poupar custos, por outro, sacrifica uma funcionalidade essencial para um segmento de utilizadores mais avançados: a possibilidade de ter um endereço IPv4 público dedicado. Para quem gosta de mexer com tecnologia e tem o seu próprio homelab (como servidores para streaming, backups ou até jogos online), o CGNAT pode ser uma verdadeira dor de cabeça. E aqui reside uma oportunidade para os operadores “tradicionais” se diferenciarem no mercado.
Neste artigo, iremos explorar porque é que os operadores devem evitar o CGNAT se querem competir com a DIGI, como funciona esta tecnologia e qual a diferença entre um IPv4 dedicado e partilhado. Vamos também perceber como isto afeta diretamente quem quer criar um homelab ou utilizar serviços personalizados.
O que é o CGNAT e como funciona?
Antes de mergulhar nos detalhes, convém entender o que é o CGNAT. Resumidamente, o CGNAT é uma técnica usada pelos operadores para economizar endereços IPv4. Como a quantidade de endereços IPv4 disponíveis no mundo está a esgotar-se, o CGNAT permite que vários clientes partilhem um único endereço IPv4 público.
É assim que a coisa funciona:
- Sem CGNAT: Cada cliente recebe um endereço IPv4 público exclusivo, que é atribuído diretamente ao router instalado na sua casa. Esse endereço é o que o mundo “lá fora” vê quando acede aos serviços online.
- Com CGNAT: Em vez de receber um IPv4 público dedicado, o cliente recebe um endereço privado (algo como 100.x.x.x ou 10.x.x.x) dentro da rede do operador. Depois, vários clientes passam a partilhar o mesmo endereço IPv4 público. Isto é gerido pelo CGNAT, que traduz as conexões internas (privadas) para o endereço partilhado.
Em teoria, o CGNAT funciona bem para utilizadores comuns que apenas navegam na web, usam redes sociais e fazem streaming. Mas para utilizadores avançados que precisam de acesso remoto ao seu router ou servidor, a falta de um IPv4 público é extremamente limitadora.
A diferença entre CGNAT e um IPv4 dedicado
Vamos esclarecer as principais diferenças:
Característica | IPv4 dedicado | CGNAT |
---|---|---|
Endereço Público | Exclusivo para cada cliente | Partilhado entre vários clientes |
Acesso remoto | Possível diretamente através do endereço público | Limitado e muitas vezes impossível |
Configuração de portas (Port Forwarding) | Totalmente configurável pelo utilizador | Restrito ou impossível, dependendo do operador |
Compatibilidade com serviços | Funciona com qualquer serviço (VPN, gaming, etc.) | Problemas frequentes com serviços que requerem IP público |
Latência e desempenho | Direto e mais previsível | Latência ligeiramente maior devido à tradução |
Estas diferenças podem não parecer significativas para o utilizador médio, mas são um pesadelo para quem quer controlar o seu ambiente de rede.
Como o CGNAT destrói o sonho do homelab
Para quem gosta de tecnologia, ter um homelab em casa é o equivalente a ter um playground digital. Com um homelab, podemos:
- Criar o nosso próprio servidor de streaming (em vez de depender da Netflix ou do Spotify).
- Ter um servidor de backup para proteger os nossos ficheiros pessoais.
- Testar máquinas virtuais e serviços cloud para projetos de programação ou administração de sistemas.
- Montar servidores de jogos para jogar com os amigos.
- Causar problemas graves de segurança quando temos um endereço de saída a ser partilhado por 10000 pessoas ou mais.
- Impossibilitar o acesso inbound a equipamentos para suporte.
Agora, imaginem que queres aceder remotamente ao teu homelab. Para isso, precisas de:
- Um endereço IPv4 público, para que o teu router seja acessível da internet, ou que o vosso operador de acesso permita ipv6 e que este acesso esteja routeavel.
- Capacidade de configurar portas no router (Port Forwarding) para direcionar o tráfego para os teus dispositivos.
Com o CGNAT, isto torna-se impossível. Como partilhas o IPv4 público com outras pessoas, o teu operador não permite configurações personalizadas. Tentar configurar um servidor por trás de CGNAT é como tentar instalar uma porta de garagem numa casa alugada… que partilhamos com outros 20 inquilinos.
Como os operadores podem competir com a DIGI
Agora que entendemos o scope do problema do CGNAT, a questão é: como os operadores tradicionais podem usar isto a seu favor para competir com a DIGI?
1. Oferecer IPv4 público dedicado como padrão
A vantagem mais óbvia seria garantir que todos os clientes continuam a receber um IPv4 dedicado, sem custos adicionais. Isto seria particularmente atrativo para o mercado de utilizadores avançados que valorizam esta funcionalidade.
2. Educar os clientes sobre as vantagens do IPv4 dedicado
Muitos consumidores não sabem o que é o CGNAT ou como pode impactar a sua experiência. Uma campanha de marketing simples, explicando as vantagens do IPv4 dedicado, poderia captar a atenção de um público mais técnico.
Exemplo de mensagem:
“Com [o nome do operador], recebes um endereço IPv4 exclusivo para que possas configurar o teu acesso a casa, aceder remotamente à tua rede e ter total controlo sobre os teus serviços online. Sem truques. Sem limitações.”
3. Apostar no mercado de nicho: entusiastas e profissionais de TI
A DIGI conquistou o segmento de utilizadores que procuram o preço mais baixo. Os operadores tradicionais podem virar-se para um nicho mais rentável: profissionais de TI, gamers, streamers e entusiastas de tecnologia. Este público está disposto a pagar mais por um serviço de qualidade superior, desde que exista o valor acrescido para tal.
4. IPv6 como um diferencial para o futuro
Embora este artigo esteja focado no IPv4, é importante mencionar o IPv6. Os operadores podem destacar-se ao oferecer suporte robusto ao IPv6, uma tecnologia mais moderna e que resolve muitos dos problemas de endereçamento. Mas atenção: enquanto o IPv4 ainda for dominante, o IPv6 sozinho não é suficiente para convencer os utilizadores avançados.
Porquê manter as saídas IPv4 dedicadas faz todo o sentido?
Apesar do esgotamento dos endereços IPv4, ainda faz sentido para os operadores tradicionais continuarem a oferecer saídas dedicadas. Aqui está o porquê:
- Diferenciação no mercado: Num mundo onde o preço é rei (graças à DIGI), a qualidade e funcionalidade podem ser um trunfo para conquistar clientes exigentes.
- Compatibilidade garantida: Muitos serviços ainda dependem do IPv4, e o CGNAT introduz problemas de compatibilidade com alguns jogos, VPNs e dispositivos IoT.
- Valor percebido: Oferecer um IPv4 dedicado é um indicador de um serviço premium, algo que pode justificar preços mais altos.
Chegamos ao fim deste post a meio da semana.
Enquanto a DIGI atrai o público com os seus preços baixos, nem todos os utilizadores estão dispostos a sacrificar funcionalidades e liberdade. Para quem quer um serviço robusto e sem limitações, o IPv4 dedicado é essencial.
Aqui temos o principal problema: Como em Portugal, o custo é rei e não a qualidade do serviço prestado, operadores que estão a cobrar valores premium, decidiram como a Vodafone, começar a fazer o mesmo. Baixar a qualidade do serviço prestado, para aumentar a margem de lucro. Perdem assim a oportunidade de ouro para conquistar um público fiel e disposto a pagar mais por qualidade. Basta saber comunicar e mostrar o valor de um serviço sem CGNAT.
Aqui fica o recado: se querem competir com a DIGI, não entrem no jogo do “mais barato”. Apostem no “melhor” e garantam saídas dedicadas de IPv4. Afinal, não há preço baixo que compense uma experiência limitada. Porque francamente pela relação qualidade/preço não vão mesmo lá.
Até ao próximo post e caso não concordem, ou notem algo errado. Sabem onde me encontrar.
Abr.
Nuno