Open Source: Uma Proteção Contra Tarifas e Geopolítica

Olá a todos!

O post hoje é menos técnico que o habitual e é mais uma reflexão sobre como o mundo se alterou nos últimos meses. Finalmente mais pessoas notaram  que estamos dependentes de uma dominância não europeia no Mercado de IT, em soluções de IT. Neste post colocarei referencias de noticias sobre o que afirmo.

No cenário atual de crescentes tensões comerciais e tecnológicas globais, o software open source emerge como uma estratégia crucial para empresas e nações que buscam autonomia digital. As recentes guerras comerciais e a imposição de tarifas estão a redefinir o panorama tecnológico mundial, e o movimento open source oferece um caminho para mitigar os riscos associados a estas turbulências geopolíticas.

Um novo panorama de tensões comerciais

O mundo tecnológico tem testemunhado uma escalada significativa nas tensões comerciais entre potências globais. Em 2024, os Estados Unidos implementaram tarifas de 25-30% sobre semicondutores, veículos elétricos e painéis solares provenientes da China Bloomberg, 2024. Esta medida, parte de uma estratégia mais ampla de protecionismo económico, provocou retaliações imediatas (que podem desaparecer ou subir ao gosto do freguês).

A resposta chinesa incluiu a imposição de restrições à exportação de matérias-primas críticas para a indústria tecnológica, como o gálio e o germânio, elementos fundamentais para a produção de semicondutores avançados Reuters, 2023. Este ciclo de ação e reação tem criado um ambiente de incerteza para empresas globais que dependem de cadeias de fornecimento internacionais.

As consequências são significativas: interrupções na cadeia de fornecimento, instabilidade nos preços e atrasos na produção afetam desde gigantes tecnológicas até pequenas startups inovadoras. É neste contexto que o movimento open source se destaca como uma alternativa estável e estratégica, nem que seja para diminuir a dependência de entidades que previamente se julgavam para alem da duvida, mas que agora estão numa posição de não-inimigos, mas garantidamente de não alinhamento.

O Open Source como estratégia de resiliência

O open source representa muito mais do que apenas código disponível gratuitamente. É uma filosofia que promove a distribuição do controlo, a transparência e a colaboração internacional, independentemente de fronteiras políticas ou económicas.

Nos Estados Unidos, projetos pioneiros como o Kubernetes (originário da Google), o Linux (criado por Linus Torvalds e agora gerido pela Linux Foundation) e o sistema de gestão de base de dados PostgreSQL nasceram da necessidade de contornar dependências tecnológicas e evitar monopólios. A Fundação Linux tem consistentemente defendido que o open source é “crucial para a inovação tecnológica global e a neutralidade digital” Linux Foundation, 2022.

Na China, esta abordagem ganhou contornos de estratégia nacional. O país tem investido significativamente em tecnologias open source como parte da sua busca por soberania digital. Dados do China Academy of Information and Communications Technology (CAICT) indicam que aproximadamente 80% das empresas chinesas planeiam aumentar a adoção de software open source até 2025 [CAICT, 2023], um crescimento substancial face aos anos anteriores.

E sobre o hardware? Enter RISC-V.

Um exemplo paradigmático desta tendência é o RISC-V, uma arquitetura de instruções de processador completamente aberta e livre de royalties. Desenvolvida originalmente na Universidade da Califórnia, Berkeley, esta tecnologia oferece uma alternativa às arquiteturas proprietárias dominantes no mercado.

Desde 2020, a China tem apostado fortemente no RISC-V, estabelecendo a RISC-V China Alliance e incentivando o desenvolvimento de dezenas de startups focadas nesta tecnologia TechCrunch, 2023. Fabricantes como a Alibaba T-Head e a Zhaoxin estão a desenvolver processadores baseados em RISC-V, reduzindo assim a dependência de tecnologias da ARM (Reino Unido) e da Intel (EUA).

Este movimento não se limita à China. Globalmente, o RISC-V está a ganhar tração como uma alternativa viável em setores que vão desde a Internet das Coisas (IoT) até sistemas de computação de alto desempenho. A sua natureza aberta permite inovação distribuída e protege contra contingências geopolíticas que podem afetar o acesso a tecnologias proprietárias.

A Fundação Apache: Um bastião da colaboração internacional

A Apache Software Foundation (ASF) exemplifica como o open source transcende fronteiras geopolíticas. Esta organização sem fins lucrativos alberga projetos cruciais para a infraestrutura digital global, incluindo o Hadoop (para processamento de big data), o Kafka (para processamento de streams) e o Spark (para análise de dados).

Em 2023, o presidente da fundação revelou um dado significativo: mais de 40% do tráfego e das contribuições para projetos Apache provêm da China ASF Board Meeting Minutes, 2023. Empresas chinesas como Huawei, Baidu e Tencent têm engenheiros ativamente envolvidos em dezenas de projetos Apache, frequentemente contribuindo com inovações técnicas substanciais.

Este cenário ilustra como o open source cria um espaço neutro onde colaboradores de diferentes países podem trabalhar juntos, mesmo quando as relações diplomáticas entre os seus países de origem estão tensas. O código não tem passaporte, e as contribuições são avaliadas pelo seu mérito técnico, não pela nacionalidade do seu autor.

A imunidade do open source às barreiras políticas

Chegamos ao core do nosso post. Uma das características mais poderosas do open source é a sua natureza descentralizada e global, que o torna largamente imune a constrangimentos políticos. Mesmo sob regimes de sanções económicas, projetos como o Linux e outras ferramentas open source continuaram acessíveis a desenvolvedores em países como o Irão, Rússia ou Venezuela.

Organizações como a Open Source Initiative (OSI) e a Free Software Foundation Europe (FSFE) defendem ativamente este princípio de acesso universal FSFE, 2022. Na prática, qualquer pessoa com uma ligação à internet pode contribuir para ou beneficiar de um projeto open source, independentemente de sanções económicas ou restrições políticas impostas ao seu país.

Esta característica torna o open source particularmente valioso em tempos de incerteza geopolítica. Enquanto o acesso a tecnologias proprietárias pode ser bloqueado por decisões políticas unilaterais, o conhecimento e as ferramentas open source permanecem acessíveis, permitindo que empresas e países mantenham a sua capacidade de inovação mesmo em circunstâncias adversas.

Europa: Entre a dependência e a oportunidade

A nossa Europa encontra-se numa posição particular neste cenário. Por um lado, depende fortemente de software proprietário proveniente principalmente dos Estados Unidos. Por outro, reconhece cada vez mais a necessidade de autonomia digital.

A Comissão Europeia tem promovido iniciativas significativas para aumentar a adoção de software open source no setor público European Commission, 2021. Países como a Alemanha e a França já implementaram soluções como o Nextcloud (para armazenamento em nuvem), o LibreOffice (como alternativa ao Microsoft Office) e distribuições Linux como o Debian nas suas administrações públicas.

O portal Joinup, mantido pela Comissão Europeia, funciona como um centro de recursos e boas práticas para a adoção de open source por entidades governamentais. Esta abordagem não apenas reduz a dependência de fornecedores específicos, mas também promove a transparência e a segurança, aspectos fundamentais para infraestruturas críticas.

Os desafios e o futuro do open source

Apesar dos seus benefícios estratégicos, o modelo open source enfrenta desafios significativos. Questões relacionadas com financiamento sustentável, manutenção a longo prazo e segurança são preocupações constantes no ecossistema, muitas delas alimentadas por FUD com background de interesse comercial.

Muitos projetos críticos são mantidos por equipas pequenas ou mesmo por desenvolvedores individuais, frequentemente trabalhando voluntariamente. Incidentes como a vulnerabilidade do Log4j em 2021 demonstraram como falhas em bibliotecas open source amplamente utilizadas podem ter impacto sistémico global CISA, 2021.

Para enfrentar estes desafios, surgiram iniciativas como o OpenSSF (Open Source Security Foundation), que reúne empresas, investigadores e comunidades para melhorar a segurança do ecossistema open source. Além disso, novos modelos de financiamento e governança estão a ser explorados para garantir a sustentabilidade dos projetos fundamentais.

E assim chegamos ao fim do nosso post semanal. No nosso mundo atual onde o software é infraestrutura crítica, o open source emerge como um mecanismo de resiliência, transparência e autonomia. Ao não depender de um único fornecedor e não estar sujeito a licenças comerciais, sanções ou tarifas, o open source proporciona uma proteção eficaz contra as turbulências geopolíticas atuais.
Para empresas, a adoção estratégica de tecnologias open source representa uma forma de mitigar riscos associados a interrupções na cadeia de fornecimento ou aumentos súbitos nos custos de licenciamento. Para governos, significa um passo em direção à soberania digital e à redução de dependências externas em infraestruturas críticas.
O futuro provavelmente verá uma aceleração desta tendência, com o open source a assumir um papel ainda mais central na estratégia tecnológica global. À medida que as tensões geopolíticas continuam a moldar o panorama digital, a natureza colaborativa e transfronteiriça do open source oferece um contraponto positivo: um espaço onde a inovação pode florescer independentemente das divisões políticas.
O movimento open source demonstra que, mesmo num mundo fragmentado por disputas comerciais e políticas, a colaboração tecnológica global não apenas sobrevive, mas pode prosperar. Para quem procura navegar com segurança nas águas turbulentas da geopolítica tecnológica atual, o open source representa não apenas uma escolha técnica, mas uma decisão estratégica fundamental.

Até ao post da próxima semana.
Um abraço

Nuno