Estágios em carreiras de IT (e como algumas universidades andam a brincar com o tema).

Olá a todos!!

Quando escolhemos a área de IT como caminho, iniciamos esta viagem com uma visão cheia de sonhos e desafios épicos: construir sistemas que mudem o mundo, resolver problemas complexos com um clique (ou alguns milhares de linhas de código), e, claro, talvez trabalhar naquele escritório top com sofás e mesa de pingue-pongue ou dias de massagem.
Mas há algo que, ao longo do percurso académico, nem sempre nos é dito de forma clara: sair de um curso universitário ou profissionalizante não nos transforma automaticamente em profissionais prontos para enfrentar o mercado de trabalho. É nesta altura que entram os estágios curriculares.

Para quem não sabe, anualmente participo em vários projetos de estágio. Principalmente faço acompanhamento a vários alunos, ajudando e moldando a mente deles numa direção e hábitos mais profissionais.
Mas falemos de forma aberta sobre a realidade de todos nós: por mais que tenhamos estudado, por mais cadeiras que tenhamos passado (algumas à rasquinha, admitimos – beijinhos professora de Analise 2), por mais projetos académicos que tenhamos concluído, a realidade profissional é um oceano cheio de recifes que mal sabemos identificar, quanto mais evitar. E é durante os estágios que temos a oportunidade de nos ambientarmos, de aprender a navegar este mundo, de perceber como as coisas realmente funcionam. Sejamos brutalmente realistas, isto é algo que nenhuma aula teórica ou projeto simulado encabeçado por um professor académico que tem 0 de experiência no mercado de trabalho irá conseguir ensinar.

A verdade crua e dura sobre a saída do curso

Honestidade acima de tudo, porque este é um desabafo sentido: um estudante que acaba de sair da universidade ou de um curso técnico não está preparado para cair de cabeça num projeto profissional de IT. Não está. Os currículos académicos, mesmo os mais atualizados, não conseguem acompanhar a velocidade absurda em a que a tecnologia avança. E não é só isto – mesmo que o estudante seja um génio da programação ou um ás em redes, falta-lhe algo essencial: a experiência prática. A experiência que o universo é tri-dimensional e não apenas bi-dimensional.

É nos primeiros meses de trabalho que entendemos que muitas das coisas que aprendemos são, na melhor das hipóteses, uma boa base teórica. Integrar uma equipa, aprender a entender os processos internos, trabalhar com código legado, respeitar deadlines apertados, gerir a comunicação e a relação com colegas e clientes… tudo isto são skills que só se ganham com a prática e com alguém ao nosso lado para ajudar quando o código simplesmente se recusa a funcionar ou quando o servidor resolve pregar-nos uma partida às 17h30 de uma sexta-feira.

É por isto que faço sempre questão de reforçar a todos os meus estagiários: ninguém espera que saibam tudo. O mais importante é terem vontade de aprender, estarem conscientes que vão errar (e que tem de corrigir os erros), e terem a humildade de perguntar quando não sabem. E nesta altura que o papel do estágio se torna mais do que essencial.

O valor real do estágio para os estudantes

Um estágio curricular não é só mais uma etapa no curso, nem é uma mera formalidade para garantir créditos! É o momento em que se começa a descobrir o verdadeiro ritmo da área de IT. Nos estágios, temos a possibilidade de aprender hands-on como algumas coisinhas se passam no mundo real:

  • Aprender a trabalhar em equipa – No mundo real não há “trabalho individual” como na escola. Não existem pistoleiros. Tudo é colaborativo, e saber como nos integrar numa equipa é essencial.
  • Lidar com problemas do mundo real – Desafios de projetos académicos?! HAHAHAHAHHA! Os desafios que surgem em projetos académicos não chegam nem perto da complexidade dos problemas que enfrentamos no dia a dia das empresas. Experimentem ter o vosso maior cliente com os sistemas parados e o vosso cheque de ordenado a sair pela janela, enquanto o banco ou o senhorio espera pela renda para por logo tudo em perspectiva. Vão entender nessa altura.
  • Entender ferramentas e processos usados no mercado – Git, Jenkins, Jira, Kubernetes… Não é possível aprender todas estas ferramentas na faculdade, mas são essenciais na vida real. Muito menos com pressão significativa em cima. É tramado, não deveria ocorrer. Mas acontece.
  • Receber mentoria de quem já está no mercado – Aqui, faço um sustenido importante. Um bom estágio não é só aquele em que o estudante é exposto ao trabalho real, mas também aquele em que há alguém para guiá-lo. Eu gosto de pensar que os estagiários que coordenei saíram melhores, não só porque aprenderam tecnicamente, mas porque puderam contar comigo para orientá-los e, em alguns casos, para desabafar sobre as dificuldades. É assim que se forma uma relação que vai além do profissional e que muito me orgulho de manter com alunos meus desde sempre.

Descobri que existem universidades públicas que querem cobrar às empresas.

Agora, vamos ao elefante na sala e a razão deste desabafo: algumas universidades e institutos públicos têm surgido com a ideia de cobrar às empresas por receber estagiários. Sim, cobrar às empresas que estão a dar do seu tempo e recursos para formar estes jovens profissionais, que muitas vezes entram sem a mínima experiência.
Posso até entender a premissa, até porque sei que existem empresas que tentam os colocar em trabalhos temporários. Não é o meu caso. Não é o caso de mais pessoas como eu que estão a disponibilizar um pouco do seu já muito preenchido dia. Não é o caso da empresa onde presto serviço.
Não irei fazer name and shame da faculdade em questão. Mas tenho a certeza que este post irá chegar até eles.

Custa-me muito entender a lógica: a empresa já vai investir horas dos seus profissionais – que podem estar já dedicados a projetos em cliente – para ensinar, orientar, corrigir erros e garantir que o estudante tenha uma experiência que enriqueça a sua vida profissional. Muitas vezes, os recursos usados (máquinas, software, licenças) também representam um custo direto.
Então, em vez de apoiar este processo de formação, querem criar um obstáculo extra, cobrando taxas que desincentivam as empresas a receber estagiários? Why? Apresenta-se a mim como uma ideia completamente desconectada da realidade.

O impacto que os estágios têm no futuro

Universidades, por favor entendam que os estágios são mais do que um simples “começo”. São o alicerce de uma carreira. É ali que iremos apreender que o mundo profissional de IT não é apenas sobre tecnologia, mas também sobre pessoas, processos e crescimento contínuo. É através dos estágios que transformamos a incerteza do início em confiança, ainda que modesta.

Eu, tive a sorte de coordenar estágios de pessoas incríveis. Alguns deles tornaram-se não só excelentes profissionais, mas também bons amigos. Nada me dá mais satisfação do que ver alguém que começou um pouco perdido, sem saber muito bem onde estava a meter-se, a ganhar confiança e crescer na área. Porque a verdade é esta: ninguém começa pronto. Mas todos podemos aprender, desde que tenhamos as ferramentas e o apoio certos.

O nosso papel como mentores

Aqui é importante reforçar um ponto: os estagiários não são “mão-de-obra barata” nem “ajudantes”. São aprendizes.
E, como tal, merecem ser tratados com respeito e ter acesso a um ambiente onde possam realmente aprender. Não são coisas que as faculdades podem explorar para sacar dinheiro.

Como mentores, temos o dever de ser pacientes, de oferecer feedback construtivo e de estar disponíveis para ajudar. E, ao mesmo tempo, de dar espaço para que o estagiário possa errar, experimentar e aprender por si próprio. Este equilíbrio entre orientação e liberdade é o que faz toda a diferença.

Se estás a ler isto como estudante, lembra-te: aproveita cada momento do teu estágio para perguntar, aprender e crescer. Não tenhas medo de errar e, acima de tudo, não tenhas medo de pedir ajuda.
Se estás a ler isto como profissional, já com alguns anos de estrada, lembra-te: cada estagiário é uma oportunidade para retribuirmos à comunidade e formarmos os profissionais que amanhã estarão ao nosso lado.

E, se por acaso, és daquelas universidades que querem cobrar às empresas por este processo… Bom, talvez seja hora de reverem as vossas prioridades. Porque, no final do dia, é do interesse de todos – estudantes, empresas e instituições – que os estágios continuem a ser uma ponte para um futuro brilhante. A menos que claro só estejam nisto pelo dinheiro e nesse caso só posso dizer: Tenham vergonha.

Para terminar…

Os estágios curriculares não são só uma oportunidade para os novos profissionais aprenderem. São também uma chance para todos nós, enquanto indústria, moldarmos o futuro da área de IT. Que continuemos a abrir portas, a formar profissionais e a apoiar aqueles que estão apenas a dar os primeiros passos nesta caminhada cheia de desafios – mas também cheia de possibilidades incríveis.

E, como mentor, posso garantir: não há nada mais gratificante do que ver alguém a superar-se e a crescer com o nosso apoio. Afinal, no fim do dia, o sucesso deles é também um bocadinho nosso. E isso vale mais do que qualquer taxa ou formalidade.

Desculpem o desabafo, e até a próxima semana.
Abraço
Nuno

PS: Sei que este post tem potencial enorme para causar confusão até porque pessoalmente concordo que quando o estagiário é colocado para trabalhar para um  terceiro, e o terceiro pagar pelo serviço, embora em formação, tem direito a algum tipo de compensação monetária.
Para o tema em mãos não foi o caso. O valor não seria para pagar ao estagiário, mas para lubrificar rodas de uma máquina que garantidamente necessita de ser revista.